terça-feira, 19 de janeiro de 2010

ACIDENTE DE PERCURSO

Se meu pai fosse vivo ele estaria fazendo 103 anos no dia 24 de fevereiro, próximo. No dia 02 de março terão decorridos 34 anos de seu falecimento. Dele tenho as melhores lembranças. Era um amigo e conversávamos muito. Censurava-me pelas coisas erradas que eu fazia, mas sempre mostrava meus erros contando uma estória. Ele só cursou a terceira série primária, mas lia qualquer livro em francês ou latim. Tinha uma caligrafia espetacular.

Em 1960, com 12 anos de idade eu cursava a quarta série primária e fui reprovado de ano. Eu detestava matemática. Minha mãe queria dar-me uma surra e corri para o banheiro que ficava fora de casa. Quando ela se distraiu eu me escondi no quintal, mas tive o cuidado de deixar a porta fechada. Ela estava com um cinturão na mão e dizia que só sairia dali quando eu saísse.

Meu pai estava no “Sítio Repouso”, pequena propriedade que ele tinha a uns dois quilômetros de Bom Jardim. Eu tinha que ir pra lá a fim de levar a marmita com o almoço dele. Sem que minha mãe me visse corri para a cozinha de casa, peguei a marmita de pai e me danei para o sítio. Meu pai notou que algo estava errado e eu não sabia como contar para ele.

A tardinha, retornávamos para Bom Jardim e próximo a “Pedra do Caboclo” (hoje ponto turístico de Bom Jardim), para minha surpresa travamos o seguinte diálogo:

- Reprovado em seu Fernando!!!
- Como o Senhor soube?...
- A Madre Superiora falou quando eu vinha para o sítio.
- Mãe tá braba com um chicote na mão...
- Acredito....
- O Senhor não vai fazer nada?
- Não vou fazer nada porque ela está com a razão...

Ficamos calados por uns dois minutos quando ele arrematou:

- Quando um carro está ao pé da ladeira e o motorista não consegue subir porque o carro estanca, ele dá ré, faz carreira e o carro sobe com facilidade. É o que você deve fazer. Vou considerar isso um acidente de percurso.

Só sei que repeti a quarta série tirando nota dez em quase todas as matérias. O que a professora ensinava aos demais alunos, eu já sabia. Fiz a quinta série tirando excelentes notas. Ao fazer o exame de admissão (espécie de vestibular para o ginásio), passei em primeiro lugar. Foi pai quem deu a notícia.

Hoje, já velho, continuo detestando matemática. Entretanto, convivi com ela o suficiente para passar de ano. Quanto a minha mãe, que Deus a tenha, ela disse que não iria bater em mim, mas eu iria passar quatro sábados sem ir ao cinema...

No sábado seguinte ia passar um filme com Durango Kid. Eu não podia perder um faroeste. Ela viu minha cara triste e disse:

- Vá varrer o quintal que eu dou o dinheiro do cinema...