terça-feira, 27 de dezembro de 2011

LEMBRANÇAS DO DR.XAVIER

Quero lembrar o Dr. Xavier sempre pelos bons momentos que vivemos. Por esta razão irei contar alguns fatos que contribuiram para aumentar sempre a minha admiração por ele.

O DIREITO E O CURRAL DE BOI

Certo dia um cidadão procurou o Dr. Xavier e disse:

- Doutor, eu estive na cidade de Guarabira e um advogado falou que eu perderia a questão. O negócio é o seguinte: Vendi um gado e o comprador não me pagou. O advogado disse que como eu só tenho prova testemunhal o máximo que eu posso cobrar são dez salários mínimos. O camarada me deve mais de cem salários mínimos.

Dr. Xavier então perguntou:
- Você tem testemunha do negócio feito?

Como o cidadão afirmou que sim, Dr. Xavier disse que aceitava a questão, mas não garantia o resultado. Quando ficamos a sós, eu disse:

- Mas Doutor, realmente o código diz que a prova somente testemunhal só é admissível para questões até dez salários mínimos.

Dr. Xavier falou: (ele me chamava de Fernandes)

- Ora Fernandes, se o código admite exceção para negócios feitos em quarto de hotel, imagine para negócio feito em curral de boi...

Deu uma gargalhada e arrematou:

- Essa questão a gente vai ganhar.

Ganhou. No meu entender foi, dentre muitas, a mais brilhante vitória que Dr. Xavier obteve no Tribunal de Justiça da Paraíba. Toda a tese teve como embasamento a exceção prevista no inciso II do art. 402 do CPP.


DR. XAVIER E O AVANÇO DA TECNOLOGIA

Nos idos de 1978 não tínhamos computador nem xerox. As petições eram datilografadas e para cada cópia uma folha de carbono. A gente procurava esmerar na estética da petição. A margem direita da linha tinha sempre seu alinhamento (hoje utilizamos o recurso “justificar” no Word). Naquele tempo era um exercício de paciência. Um erro e tínhamos que refazer toda a petição.

Certo dia, estávamos conversando, e ele falou que vários juízes e pessoal de cartório o parabenizavam pela qualidade do trabalho. Claro que eu também ficava envaidecido. Falei então para ele:

- A IBM lançou uma máquina elétrica com corretivo e esferas para cada tipo de letra. Uma esfera (tipo arial) pode ser utilizada no normal da petição, outra esfera (tipo courier) para citações de jurisprudência, outra (verdana) para doutrina e a itálica só para o latim. Depois de pronta a petição a gente grava e tira quantas cópias quiser.

Ele perguntou sobre o preço e eu disse que não sabia. Voltei para o Recife e Beth ficou em Belém. No outro final de semana Beth voltou para Recife e Dr. Xavier veio com ela. Quando ele chegou lá em casa, para minha surpresa falou:

- Amanhã vamos comprar aquela máquina.

A máquina foi um sucesso. Dr. Xavier dizia que até no Tribunal estava recebendo elogios pelas petições feitas. Certo dia ele pediu para eu ir urgente até Belém. Ele precisava ajudar na defesa de um Juiz que havia sido denunciado ao Tribunal.

O Juiz (muito amigo da família) já havia elaborado a sua defesa e o Dr. Xavier não estava gostando. Achava que estava faltando alguma coisa. Modificou o que achava que devia modificar e acrescentou muita coisa. Passamos o sábado trabalhando na peça e quando foi à noite o Juiz foi até a casa de Dr. Xavier.

Ao ver a petição com citação de jurisprudência de um jeito, doutrina de outro e latim em itálico exclamou:

- Xavier, não preciso nem ir ao Tribunal, posso até não me importar mais com a representação, porque depois que esta petição chegar ao Tribunal desembargador nenhum vai ter coragem de dizer que ela está feia ou tem defeitos.

A representação foi arquivada por unanimidade.



DR. XAVIER E OS LIVROS

A biblioteca do Dr. Xavier fazia inveja a muita gente e, claro que a mim também. Livro para ele não era enfeite de estante. Era para leitura mesmo. Lia e sublinhava aquilo que achava interessante. Eu admirava a sua memória. Muitas e muitas vezes a gente estava conversando sobre determinando assunto e, por exemplo, se eu dissesse que na petição estava faltando uma jurisprudência ou citação doutrinária, ele lia a petição e dizia:

- Já sei onde encontrar.

Procurava o livro, brigava com Dona Maria, com Lindalva e quando achava o livro o abria na página que queria. Lá estava o que buscava devidamente sublinhado. Dezenas de vezes tal cena se repetiu. Em todas, em todas, repita-se, ele acertava.

E mais admirável, ainda, é que dizia antecipadamente se era de Orosimbo Nonato, Clóvis Bevilácqua, Washington Monteiro ou quem quer que fosse. Era uma memória prodigiosa. Sinto saudades.

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